Perfumados fragmentos literários – Parte IV – José de Alencar

Pensaram que não ia ter mais? Se enganaram… Hoje citamos o grande romancista José de Alencar! Vamos lá!

Trecho do livro “Cinco Minutos”, de José de Alencar. Foi publicado em 1865 em forma de folhetim, pelo jornal Diário do Rio de Janeiro.
  
“Nesta marcha, o meu espirito em alguns instantes tinha chegado a uma convicção inabalável sobre a fealdade de minha vizinha.
Para adquirir a certeza renovei o exame que tentara a princípio: porém, ainda desta vez, foi baldado; estava tão bem envolvida no seu mantelete e no seu véu, que nem um traço do rosto traía o seu incógnito.
Mais uma prova! Uma mulher bonita deixa-se admirar e não se esconde como uma pérola dentro da sua ostra.
Decididamente era feia, enormemente feia!
Nisto ela fez um movimento, entreabrindo o seu mantelete, e um bafejo suave de aroma de sândalo exalou-se.
Aspirei voluptuosamente essa onda de perfume, que se infiltrou em minha alma como um eflúvio celeste.
Não se admire, minha prima; tenho uma teoria a respeito dos perfumes.
A mulher é uma flor que se estuda, como a flor do campo, pelas suas cores, pelas suas folhas e sobretudo pelo seu perfume.
Dada a cor predileta de uma mulher desconhecida, o seu modo de trajar e o seu perfume favorito, vou descobrir com a mesma exatidão de um problema algébrico se ela é bonita ou feia.
De todos estes indícios, porém, o mais seguro é o perfume; e isto por um segredo da natureza, por uma lei misteriosa da criação, que não sei explicar.
Por que é que Deus deu o aroma mais delicado à rosa, ao heliotrópio, à violeta, ao jasmim, e não a essas flores sem graça e sem beleza, que só servem para realçar as suas irmãs?
É decerto por esta mesma razão que Deus só dá à mulher linda esse tato delicado e sutil, esse gosto apurado, que sabe distinguir o aroma mais perfeito…
Já vê, minha prima, porque esse odor de sândalo foi para mim como uma revelação.
Só uma mulher distinta, uma mulher de sentimento, sabe compreender toda a poesia desse perfume oriental, desse hat-chiss do olfato, que nos embala nos sonhos brilhantes das Mil e uma Noites, que nos fala da Índia, da China, da Pérsia, dos esplendores da Ásia e dos mistérios do berço do sol.
O sândalo é o perfume das odaliscas de Istambul e das huris do profeta; como as borboletas que se alimentam de mel, a mulher do Oriente vive com as gotas dessa essência divina.
Seu berço é de sândalo; seus colares, suas pulseiras, o seu leque, são de sândalo; e, quando a morte vem quebrar o fio dessa existência feliz, é ainda em uma urna de sândalo que o amor guarda as suas cinzas queridas.
Tudo isto me passou pelo pensamento como um sonho, enquanto eu aspirava ardentemente essa exalação fascinadora, que foi a pouco e pouco desvanecendo-se.
Era bela!
Tinha toda a certeza; desta vez era uma convicção profunda e inabalável.
Com efeito, uma mulher de distinção, uma mulher de alma elevada, se fosse feia, não dava sua mão a beijar a um homem que podia repeli-la quando a conhecesse; não se expunha ao escárnio e ao desprezo.
Era bela!”
 
File:Spiridon - Odalisca.jpg
  “Odalisca“, de Ignace Spiridon
  
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6 comentários sobre “Perfumados fragmentos literários – Parte IV – José de Alencar

    • Tbém adoro, fazia tempo que não postava os “fragmentos” né? Já tenho uns outros planejados… Menina, vc me chama de vizinha (e eu adoro), mas o que vc diria se soubesse que descobrimos, eu e o Dênis (do 1nariz) que somos vizinhos mesmo, assim, de morar a um quarteirão de distância um do outro? Incrível né? E tudo isso ao combinar uma troca de amostras… fomos vendo que morávamos perto, perto, perto… quase na mesma rua!!! Fiquei feliz! Muda pra cá, você!

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