Fiquei sabendo de tal evento através do Dênis Pagani, e claro, fiz minha inscrição na mesma hora!
Na tarde do dia 26 saí mais cedo do trabalho, peguei metrô-metrô-trem pau-de-arara e fui na direção da Casa do Saber no Itaim Bibi. Tive sorte, cheguei cedo, comprei o livro, conversei.
Por volta das 20h entramos em uma sala confortável cheia de poltronas, era lá que em breve falaria o mestre Jean-Claude Ellena. Logo ele chegou, sem alarde, sem pompa. Estava vestido de forma discreta, em tons sóbrios e neutros.
Conto agora trechos da palestra/aula/lançamento de seu livro, não vou seguir uma sequência:
Dadas as devidas apresentações, iniciou dizendo “perfume para mim é um ato poético”, disse ter ideias olfativas e depois escrever sobre tal processo. Como está em seu livro, “o odor é uma palavra, o perfume é a literatura” …
Contou sobre o processo criativo do novo perfume da linha Hermessence, o Epice Marine. Conta que a inspiração para tal perfume nasceu de um encontro profissional com um chef de cozinha que logo tornou-se amigo pessoal. O tal chef é apaixonado por especiarias, e um dia estava ‘temperando’ um iogurte com um ingrediente que chamou a atenção de Ellena: era o cominho que havia passado por torrefação. Tal especiaria tem aroma de pão, de sésamo e avelã grelhados, segundo a percepção de Ellena. Recebeu do novo amigo um grande pacote de tal especiaria e solicitou a uma amiga que fizesse a destilação do produto.
O perfume teria então o cheiro da Grã-Bretanha, do oceano frio, das especiarias. Ao levar a criação para seu amigo culinarista, Ellena ouviu do mesmo que faltava algo ali no aroma do perfume: faltava o cheiro da neblina! Ao ser questionado por Ellena, o cozinheiro disse que a tal bruma teria cheiro de ‘tapioca cozida, amido e um certo whisky escocês’.
Ellena não teve dúvidas: encomendou uma garrafa de tal whisky e por alguns dias ‘perfumou-se’ com ele! O novo aroma fora aprovado pelo chef e adicionado ao perfume. Além disso, faltava ali o aroma de uma pequena cidade que já foi rota comercial de especiarias na França. Queria que o perfume lembrasse os barcos, o piche, as cordas.
Nesse momento o perfume fora borrifado no ar e distribuído em fitas olfativas! Foi como visualizar todo o processo até então descrito por Ellena! Tudo estava ali: o cominho imperioso, as cordas de cânhamo, o betume das proas dos barcos, a madeira seca, a maresia, as especiarias, o tom alcoólico, seco e masculino do whisky… magnífico…
Meu enorme talento para o fotografia comprovado em uma imagem…
Sobre sua história, Jean-Claude conta que mesmo sendo filho de um perfumista, perfumes nunca foram assunto em sua casa, o pai não falava e a mãe não se interessava. Aos 16 anos começou a trabalhar na indústria de Grasse. Isso o auxiliou demais, pois conheceu matérias-primas, processos de extração e outras rotinas da produção de perfumes. Conta ainda que sua inspiração pode vir de qualquer lugar, pessoas, acontecimento. Tudo é anotado, e em algum momento torna-se perfume.
Em um dado momento do evento o público pode fazer perguntas, citarei pequenos trechos…
Ao ser ‘desafiado’ pela apresentadora da palestra sobre um perfume inspirado no brasil, Ellena conta que existe na coleção Hermessence a fragrância Paprika Brasil, e que sua inspiração para a mesma foi o livros “Tristes Trópicos” de Claude Lévi-Strauss. O perfume leva pimenta, e Ellena queria expressar no aroma o ardor e o sabor de tal fruto. Conseguiu. Mais uma vez perfume é borrifado no ambiente e ganhamos fitas olfativas. De fato, dá um comichãozinho na ponta do nariz, um leve e delicioso ardor! O perfume é rico em íris, pimenta e notas amadeiradas. Sinto algo como a polpa do Jatobá, farinhenta, macilenta, não sei explicar bem. O Dênis definiu como ‘bananoso’, e sim, pode-se dizer que é isso. Divino!
Falou ainda sobre a massificação dos aromas, do trabalho do perfumista ser determinado pela equipe de marketing das marcas, da cobrança e pressão que os perfumistas sofrem para criar produtos que atendam ao gosto de milhares. Por isso Ellena é feliz na Hermes… Lá ele tem liberdade de criar o que quiser, de não depender de pesquisas de aceitação popular, somente o presidente/diretor do grupo avalia seus perfumes… Ele é o artista, ele manda em sua obra-de-arte!
Disse que para ele não existem aromas ruins, existem aromas! O que pode ser desagradável para uns pode ser interessante para ele! Cita o exemplo da rosa, que ao receber um pouco de civeta (‘que cheira a merda’, palavras de Ellena), desabrocha e revela toda a beleza de seu aroma!
Foi questionado sobre a perfumaria de nicho, e disse ser extremamente favorável a ela. Conta que a mesma surgiu em 1976, com a marca L’Artisan Parfumeur. Para tal marca Ellena criou o perfume Bois Farine, inspirado em uma viagem que fizera para as Ilhas Reunião. Conta que para criar tal perfume inspirou-se em uma pequena flor que tinha aroma farinhento e em madeira de sândalo. Para auxiliá-lo no processo de criação, comprou um quilo de farinha! Disse também que o consumidor deve ter cuidado com a ‘falsa perfumaria de nicho’ …
Ao ser questionado sobre a sensualidade feminina, Ellena volta no tempo. Fala sobre a perfumaria clássica que durou até os anos 70. Era aristocrática e privilegiava fórmulas longas, complexas. O virtuosismo do perfumista dependia da quantidade de ingredientes que eram utilizados! No final dos anos 70, a perfumaria europeia descobre que seu futuro financeiro estava nos Estados Unidos… A partir daí a perfumaria francesa se adapta aos códigos olfativos americanos, onde a limpeza e assepsia são valorizadas.
Conta que na época, o sabão em pó americano era aromatizado com almíscar sintético, e esse, por ser insolúvel em água permanecia na superfície dos tecidos e consequentemente, passava para a pele de quem usava a roupa. Por isso que até hoje a maioria das fórmulas de perfumes americanos (ou criados para tal mercado), possuem na base de 20 a 30% de almíscar sintético, sempre associado a limpeza. Compara ainda as cenas de amor do cinema europeu e americano: nos filmes americanos a mulher sai do banho, e aí sim vai pra cama com o amado. Nos filmes europeus o amor acontece independente do chuveiro, o aroma corpóreo é tolerado e até mesmo excitante! Deu pra entender a diferença entre sensualidade europeia e americana?
Depois de tamanha aula, ainda tivemos a chance de ter nossos livros assinados, quem quis (eu) tirou fotos e recebeu toda simpatia de Jean-Claude Ellena. O mestre, que diz não ser talentoso – pois tem facilidade em criar aromas. Tendo facilidade, logo não pode ser considerado talentoso, pois é fácil para ele – é simpático, sorridente, plenamente consciente de sua capacidade! É apaixonante!
Obrigada pelas fotos, Dênis!!
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Imagina, Dênis… 🙂
Seu post ficou incrível!! Rico!
Bafão!!! Não fiquei sabendo do evento, deve ter valido muito a pena. Adorei o texto e as fotos!!
Foi muito enriquecedor, Li! Vi pelo face do 1nariz!
!!! que memória! mil detalhes, obrigado por lembrar de simplesmente tudo! vou reparar minhas dívidas em muito breve, me aguarde.
Obrigada, Dênis, modéstia a parte tenho memória boa sim! Mas anotei o ‘esqueleto’ da coisa toda…
Morri. Porque inveja mata.
Morra não Van, eu amo vc!
embalsamamos com mirra e unguentos mil!
Agora que eu morro mesmo!