Perfumados fragmentos literários – parte III – Clarice Lispector

Clarice Lispector, nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, 10/12/1920 — Rio de Janeiro, 9 /12/1977), escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Também foi colunista do Jornal do Brasil, do Correio da Manhã e Diário da Noite. As colunas, que foram publicadas entre as décadas de 60 e 70, eram destinadas ao público feminino, e abordavam assuntos como dicas de beleza, moda e comportamento. Ministrava os “cursinhos” voltados ao interesse feminino, e um desses era sobre o perfume:

O “cursinho” se desenvolveu em seis aulas. Passo a passo, a leitora aprendia que o perfume deve ser uma emanação da personalidade, acentuando a presença da mulher, ao envolvê-la discretamente. Depois, é instruída em como e onde aplicar. Nunca na roupa e sempre na pele. Também é preciso observar o tipo de perfume ou a quantidade aplicada para quando for almoçar ou jantar, pois a comida poderá ser envenenada pelo cheiro forte e as pessoas perderem a fome. Na quarta aula, a leitora aprende como escolher e como conservar o perfume. Os frascos pequenos são os melhores. Nos grandes, o perfume evapora-se antes que se tenha tempo de usá-lo. O calor e a claridade alteram a essência do perfume. Portanto, não se deve guardá-lo em locais iluminados pelo sol ou expostos à luz. Por fim, onde aplicar: uma gota atrás da orelha, nos pulsos, na nuca, nas têmporas ou no “interior dos cotovelos” (dobra do antebraço com o braço).

Os segredos sobre o uso do perfume foram também publicados, com outra redação, na coluna de Tereza Quadros, pseudônimo de Clarice Lispector para o tablóide Comício, em 1952.

Na produção literária de Clarice Lispector encontramos diversas referências ao perfume:

… estava na hora de se vestir: olhou-se ao espelho e só era bonita pelo fato de ser uma mulher; seu corpo era fino e forte, um dos motivos imaginários que faziam com que Ulisses a quisesse; escolheu um vestido de fazenda pesada, apesar do calor, quase sem modelo, o modelo seria o seu próprio corpo mas enfeitar-se era um ritual que a tornava grave: a fazenda já não era um mero tecido, transformava-se em matéria de coisa e era esse estofo que com o seu corpo ela dava corpo — como podia um simples pano ganhar tanto movimento? seus cabelos de manhã lavados e secos ao sol do pequeno terraço estavam de seda castanha mais antiga — bonita? não, mulher: Lóri então pintou cuidadosamente os lábios e os olhos, o que ela fazia, segundo uma colega, muito mal feito, passou perfume na testa e no nascimento dos seios — a terra era perfumada com cheiro de mil folhas e flores esmagadas: Lóri se perfumava e essa era uma das suas imitações do mundo, ela que tanto procurava aprender a vida — com o perfume, de algum modo intensificava o que quer que ela era e por isso não podia usar perfumes que a contradiziam: perfumar-se era de uma sabedoria instintiva, vinda de milênios de mulheres aparentemente passivas aprendendo, e, como toda arte, exigia que ela tivesse um mínimo de conhecimento de si própria: usava um perfume levemente sufocante, gostoso como húmus, como se a cabeça deitada esmagasse húmus, cujo nome não dizia a nenhuma de suas colegas-professoras: porque ele era seu, era ela, já que para Lóri perfumar-se era um ato secreto e quase religioso.”

Trecho do livro “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector, de 1969.

Outros trechos perfumados:

“Vou tomar um banho antes de sair e perfumar-me com um perfume que é segredo meu. Só digo uma coisa dele: é agreste e um pouco áspero, com doçura escondida.”

Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. E, como toda arte, exige algum conhecimento de si própria. Uso um perfume cujo nome não digo: é meu, sou eu. Duas amigas já me perguntaram o nome, eu disse, elas compraram. E deram-me de volta: simplesmente não era delas. Não digo o nome também por segredo: é bom perfumar-se em segredo.

Depois voltarei ao mar. Sempre volto.Mas falei em perfume. Lembrei-me do jasmim. Jasmim é de noite. E me mata lentamente. Luto contra, desisto porque sinto que o perfume é mais forte do que eu, e morro. Quando acordo, sou uma iniciada.” – da crônica “Jasmim”, publicada em 7 de abril de 1972.

Fonte: http://www.portais.unincor.br/recorte/images/artigos/edicao5/5_artigo_aparecida.htm

Uma singela homenagem do blog a eterna Clarice…

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